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sábado, julho 04, 2009

14 semanas

Gosto muito da minissérie “O Auto da Compadecida”. Nunca li o livro, mas já decorei as falas e trejeitos de todas as personagens do filme, ao qual assisti inúmeras vezes.

Tem uma parte que sempre me chama a atenção. Todo mundo que viu lembra-se da mulher do padeiro, a Dorinha, que saía com todo mundo na cidade e que no fim – da vida, não do filme – pede perdão ao marido, dizendo que por medo de ter que se separar dele no dia da morte o traía, como uma maneira de matar aos poucos o amor dos dois.

Parece desculpa esfarrapada, coisas de Ariano Suassuna apenas, mas ele, como bom conhecedor de “gentes” que é, sabe que cada um de nós tem um pouco de Dorinha em si. Não porque estamos ávidos para trair nossos cônjuges – aviso aos desafetos, o post não trata de uma confissão minha dum caso extraconjugal, sorry – mas temos muita dificuldade em manter saudáveis nossas relações e é normal, uma defesa até, tentarmos nos esquivar das pessoas que amamos principalmente quando esse sentimento sobrepuja o esperado, quando cresce fora do nosso controle, quando é amor mesmo, não apenas paixão.

Já perdi amigos assim; ao descobrirem me amar mais que estavam acostumados ou perceberem que o relacionamento tendia a ter os laços reforçados pelo tempo, cumplicidade e o compartilhar da vida, se esquivaram, vencidos pelo medo da ferida futura, da exposição necessária, da doação de si mesmos. Destruí eu mesma relacionamentos assim também, um namoro e talvez duas amizades.

Mas não é esse o ponto hoje para mim.

Tudo escrito é para tentar entender a razão de eu evitar escrever sobre minha gravidez.
Estive pensando esses dias que parece ser um tipo de medo. Medo de ficar tão feliz, tão completa e de repente ver tudo se acabar de repente. Acho que é por causa de tudo que aconteceu em minha vida ano passado. Acho que são as sequelas de situações difíceis enfrentadas em relação à perda pessoal ou vistas na vida dos outros próximos a mim.

No começo do ano a esposa de um pastor conhecido nosso estava radiante com a gravidez do primeiro filho em em uma semana o quadro passou de feliz a assustador com a mesma internada, em coma, depois de um aborto...

Alguns medos estão presentes o tempo inteiro em mim agora.
Quando era mais nova uma tia minha sempre dizia que ficava impressionada com minha coragem. Sempre andei sozinha, não tinha medo de me aventurar em esportes meio radicais, em parques temáticos, em trilhas, acampamentos, viagens. Mas lembro como se fosse hoje de ela me dizer que parte ou toda a coragem iria embora aos poucos, com a vinda da idade e com a mudança de papéis na vida.

Ô boca!

Tudo tem seu tempo mesmo e agora não é mais meu tempo de me aventurar. É meu tempo de parar, olhar para dentro. Minha coragem agora resume-se a enfrentar o mundo por causa da minha família, não a exposições que julgo desnecessárias no momento.

E ando com medo. Ando com medo de andar no escuro. E se eu cair? E se bater a barriga?

Ando com medo de sangue. Do meu sangue. Não quero ver meu sangue tão cedo, porque sei que ele pode ser sinal de perda, de morte, de tristeza.

Ando com medo de ficar feliz. De ficar tão feliz que alguma coisa pode acontecer só para calar meu riso. Por isso tenho fugido de escrever, fugido de sorrir, fugido de cantar.

É só uma fase, ok, eu sei. Apenas explico para mim mesma a razão de não estar radiante com o que tem-me feito mais satisfeita em meio à rotina diária.

Acho que tá na hora de acabar com a síndrome da Chapeuzinho Amarelo*.

Ao completar 12 semanas (estou com 14 agora) fiz nova ultrassonografia.
O que era uma massa informe com um coraçãozinho pulsando é agora um bbzinho, com os contornos perfeitos no rosto, dançando e brincando com os pés dentro de mim.
Que surpresa boa ver que as quatro semanas que separaram as duas US deram ao meu filho um corpinho com “cara de gente”, deram mobilidade, continuaram dando-lhe vida.

Podem ser os olhos de mãe sobre os movimentos involuntários de um feto, mas ele parecia feliz aqui dentro, pegando os pés e esticando, virando cambalhotas e impedindo o médico de ficar ouvindo o coraçãozinho por mais tempo, roubando o sinal do sonar. Parecia se divertir fazendo esforço para ficar de barriga para cima e depois para alcançar os pés.

É isso. Estou totalmente aterrorizada com a novidade, com a responsabilidade, com os riscos.
Mas quero aproveitar o momento de estar feliz também. Não me importa nem se alguma coisa ruim acontecer. Nunca deixei de viver, não seria agora, numa das fases mais lindas e especiais da minha vida.

Escrever me liberta...



P.S. E achamos - o médico e eu - que é um menino.

* Chapeuzinho Amarelo é um livro do Chico Buarque, com ilustrações do Ziraldo que eu costumava ler quando era pequena.

Um comentário:

  1. Oi minha amada, imagino o qto vc está aterrorizada, qdo está pesando (acho q literalmente..eheh) a responsabilidade, as essa vida é um risco só de estar respirando.
    Amar é se arriscar, e vc resolveu amar.
    Ter um Deus e dizer isso a todos é um risco, e vc faz isso mto bem.
    Então, pq não correr o risco de ter alguém a que amar incondicionalmente eternamente???
    Eu sei q não sou a melhor pessoa pra dizer isso, afinal, quem tem dois cachorros como filho não pode ser mto confiável...heheh... mas acho q vc será a melhor mãe que qq criança neste mundo pode ter.
    Vc é cuidadosa, preocupada, vc ama, vc cuida... o q mais uma criança precisa??? E de quebra ainda terá uma ótima educação, ótima cultura e uma líde espiritual.
    Se Deus te deu essa responsabilidade é pq Ele sabe o qto vc é capaz.
    Te amo muito, além desta vida.

    Este vídeo é indiano (to na moda benhê) e mostra um amor ainda puro, sem as futilidades ocidentais, e me arrisco a expandir para todo tipo de amor essa saudação, pq amo e amo mto todos os meus amigos do coração e minha familia... e vc está inclusa em amigos do coração e família.
    http://www.youtube.com/watch?v=ORGvuTd_v2Y

    E sei q Deus sempre te abençoa muito, e se q ele fará isso mais e mais.
    Te amo

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