Síntese
segunda-feira, fevereiro 18, 2013
sábado, janeiro 12, 2013
Pensamentos maternos
Muita gente me pergunta a razão de eu não participar ativamente de algum grupo materno. Por exemplo, os que defendem em blogues a amamentação prolongada, ou o parto humanizado ou qualquer outra coisa.
A resposta não é simples e não tem ordem cronológica.
Sou defensora do parto normal. Mas tive cesárea. Não uma, duas. Defender o parto normal sendo mãe de cesárea... já viu, né? As "extremista pira tudo". Daí, mesmo que eu explique, ninguém entende e chove um monte de "vc não lutou o suficiente" e, ao invés de virar grupo de apoio, troca, crescimento, vira crucificação. Além disso, a maior parte das pessoas que defende que o parto seja humanizado, que o bebê seja respeitado em sua hora de nascer defende tb o aborto. Não entra na minha cabeça. Não posso marcar cesárea, porque meu filho tem que nascer na hora dele, mas posso abortar? Então eu não caibo.
Defendo a amamentação prolongada, exclusiva até os seis meses. Foi muito difícil o início da amamentação com o Levi, choramos muito de tristeza (eu e uma tia), de fome (ele), de dor (ambos), de medo (todos citados+meu marido). Daí, uma mãe que não conseguiu/quis amamentar fica chateada se eu mostro que para mim tb foi difícil, mas deu certo. E, em outra via, fiz o desmame noturno do Levi quando engravidei da Clara (1a3m) e ele desmamou geral mesmo até 1a8m. Ah, eu deveria ter amamentado mesmo depois da segunda filha, ah, mas isso, aquilo. Nunca é bom, nunca é certo. Não caibo.
Somos naturebas. As crianças comem frutas e verduras com o mesmo gosto que vejo outras devorando pacotes de biscoito recheado. Mas aqui não tem biscoito recheado. Mas tem cookies, que a mamãe aqui faz. E sim, eles comem. Tem muffin, cupcake. Sim! Eles comem. Mas o Levi pede berinjela. E brócolis. Quando comemos fora (muitas vezes, porque precisamso resolver coisas na capital), ele fica doido quando vê as saladas disponíveis num buffet. E tb fica doido quando vê um freezer de sorvetes. Mesmo que depois reclame um pouco do sabor. Faço pães, queijos, iogurte, bolos, pizza e um monte de coisas em casa, com integrais. Mas tb tomo uma casquinha ralé no parque, cheia de corantes. No grupo das mães natureba, eu não caibo também.
As mães geek! Ôpa! Tecnologia é comigo! Claro que tenho menos tempo que antes, mas uso Linux, gosto de fuçar, uso o terminal, porque sei os comandos. Quando não sei, entro no IRC e descubro, alguém me ensina. Gosto de fotografia, tenho uma máquina simples que dá bons resultados. Minha cozinha tem muitos equipamentos moderninhos. Falo cinco línguas (contando Libras), adoro museu, viajo um bocado. Mas eu não tenho Ipad. Não preciso, acho os aplicativos legais, porém desnecessários para mim hoje. Meu ex-celular (foi roubado semana passada) era um tijolão simples, dual chip (tenho família em SP, lembra?). Também não sou fã de Star Trek. Vixe, não caibo.
São exemplos, dentre tantos outros.
Os extremos são perigosos. O extremo nunca acolhe, ele segrega.
Há nuances em todas as cores...
Bom, é isso. Mamães, uni-vos! Não estamos numa disputa. Estamos todas no mesmo mar. Algumas gostam de enfrentar ondas em suas pranchas, outras preferem um navio luxuoso, outras um barco à vela, algumas sentam à beira munidas de pás e baldes. Mas estamos todas banhadas pela mesma água, sob o mesmo sol.
Tá na hora de parar de jogar as embarcações umas nas outras e desfrutar a brisa, o cheiro suavemente salgado, o som libertador e contemplar o desafio gigantesco à frente. Numa tempestade, um surfista pode achar graça num navio e num naufrágio, qualquer barquinho pode ser a salvação.
A resposta não é simples e não tem ordem cronológica.
Sou defensora do parto normal. Mas tive cesárea. Não uma, duas. Defender o parto normal sendo mãe de cesárea... já viu, né? As "extremista pira tudo". Daí, mesmo que eu explique, ninguém entende e chove um monte de "vc não lutou o suficiente" e, ao invés de virar grupo de apoio, troca, crescimento, vira crucificação. Além disso, a maior parte das pessoas que defende que o parto seja humanizado, que o bebê seja respeitado em sua hora de nascer defende tb o aborto. Não entra na minha cabeça. Não posso marcar cesárea, porque meu filho tem que nascer na hora dele, mas posso abortar? Então eu não caibo.
Defendo a amamentação prolongada, exclusiva até os seis meses. Foi muito difícil o início da amamentação com o Levi, choramos muito de tristeza (eu e uma tia), de fome (ele), de dor (ambos), de medo (todos citados+meu marido). Daí, uma mãe que não conseguiu/quis amamentar fica chateada se eu mostro que para mim tb foi difícil, mas deu certo. E, em outra via, fiz o desmame noturno do Levi quando engravidei da Clara (1a3m) e ele desmamou geral mesmo até 1a8m. Ah, eu deveria ter amamentado mesmo depois da segunda filha, ah, mas isso, aquilo. Nunca é bom, nunca é certo. Não caibo.
Somos naturebas. As crianças comem frutas e verduras com o mesmo gosto que vejo outras devorando pacotes de biscoito recheado. Mas aqui não tem biscoito recheado. Mas tem cookies, que a mamãe aqui faz. E sim, eles comem. Tem muffin, cupcake. Sim! Eles comem. Mas o Levi pede berinjela. E brócolis. Quando comemos fora (muitas vezes, porque precisamso resolver coisas na capital), ele fica doido quando vê as saladas disponíveis num buffet. E tb fica doido quando vê um freezer de sorvetes. Mesmo que depois reclame um pouco do sabor. Faço pães, queijos, iogurte, bolos, pizza e um monte de coisas em casa, com integrais. Mas tb tomo uma casquinha ralé no parque, cheia de corantes. No grupo das mães natureba, eu não caibo também.
As mães geek! Ôpa! Tecnologia é comigo! Claro que tenho menos tempo que antes, mas uso Linux, gosto de fuçar, uso o terminal, porque sei os comandos. Quando não sei, entro no IRC e descubro, alguém me ensina. Gosto de fotografia, tenho uma máquina simples que dá bons resultados. Minha cozinha tem muitos equipamentos moderninhos. Falo cinco línguas (contando Libras), adoro museu, viajo um bocado. Mas eu não tenho Ipad. Não preciso, acho os aplicativos legais, porém desnecessários para mim hoje. Meu ex-celular (foi roubado semana passada) era um tijolão simples, dual chip (tenho família em SP, lembra?). Também não sou fã de Star Trek. Vixe, não caibo.
São exemplos, dentre tantos outros.
Os extremos são perigosos. O extremo nunca acolhe, ele segrega.
Há nuances em todas as cores...
Bom, é isso. Mamães, uni-vos! Não estamos numa disputa. Estamos todas no mesmo mar. Algumas gostam de enfrentar ondas em suas pranchas, outras preferem um navio luxuoso, outras um barco à vela, algumas sentam à beira munidas de pás e baldes. Mas estamos todas banhadas pela mesma água, sob o mesmo sol.
Tá na hora de parar de jogar as embarcações umas nas outras e desfrutar a brisa, o cheiro suavemente salgado, o som libertador e contemplar o desafio gigantesco à frente. Numa tempestade, um surfista pode achar graça num navio e num naufrágio, qualquer barquinho pode ser a salvação.
segunda-feira, novembro 05, 2012
Levizices
Ele começou durante o fim de uma refeição:
- Mamãe, quando eu crescer e for bem grande, quero ter um bebê na minha barriga.
- Filho, meninos e homens não carregam bebês na barriga. Seu pai não tem nenhum bebê na barriga dele.
- Só as mamães?
- Só as mamães, só as mulheres.
Depois de alguns minutos falando sobre outra coisa, entra o pai e se senta.
- Mãe, o papai tem um adulto na barriga dele. Posso ter um adulto na minha barriga?
***
Toda vez que a gente explica uma coisa para o Levi, ele classifica por grupos. Explico.
Ontem à noite, depois do culto, estávamos todos tomando um cafezinho com biscoito e ele veio correndo, todo sorridente, pegou meu braço e mordiscou, ao que repreendi imediatamente explicando que ele não deve morder:
- Só os leões?
- Ai, Levi, só os leões.
- E os tigres também, mamãe.
E ele faz isso com tudo.
- Posso usar essa faca grandona, mãe?
- Não, é muito perigosa.
- Só as mamães? E os papais?
- É. Os adultos.
- As Claras e os Levis não?
- ...
Uma senhora, que estava ao nosso lado, ouviu a conversa dos leões e tigres. Perguntou se ele gostava do Chaves. Mas ele nem assiste tv. E ela me lembrou de que o Kiko faz exatamente isso.
Sabia que já tinha visto esse filme em algum lugar...
- Mamãe, quando eu crescer e for bem grande, quero ter um bebê na minha barriga.
- Filho, meninos e homens não carregam bebês na barriga. Seu pai não tem nenhum bebê na barriga dele.
- Só as mamães?
- Só as mamães, só as mulheres.
Depois de alguns minutos falando sobre outra coisa, entra o pai e se senta.
- Mãe, o papai tem um adulto na barriga dele. Posso ter um adulto na minha barriga?
***
Toda vez que a gente explica uma coisa para o Levi, ele classifica por grupos. Explico.
Ontem à noite, depois do culto, estávamos todos tomando um cafezinho com biscoito e ele veio correndo, todo sorridente, pegou meu braço e mordiscou, ao que repreendi imediatamente explicando que ele não deve morder:
- Só os leões?
- Ai, Levi, só os leões.
- E os tigres também, mamãe.
E ele faz isso com tudo.
- Posso usar essa faca grandona, mãe?
- Não, é muito perigosa.
- Só as mamães? E os papais?
- É. Os adultos.
- As Claras e os Levis não?
- ...
Uma senhora, que estava ao nosso lado, ouviu a conversa dos leões e tigres. Perguntou se ele gostava do Chaves. Mas ele nem assiste tv. E ela me lembrou de que o Kiko faz exatamente isso.
Sabia que já tinha visto esse filme em algum lugar...
sexta-feira, novembro 02, 2012
Pontos de vista
O dia começou ruinzinho hoje. Ruinzinho é modo delicado de dizer péssimo. Temos um RYH (restoring your heart group) na igreja e ele trouxe à tona coisas difíceis de enfrentar. Não quero falar sobre isso, talvez noutra ocasião. Ou nunca.
Por causa disso passei muito tempo lerdando no quarto, pensando e pensando enquanto as crianças corriam sem lenço e sem documento no quintal da igreja e meu marido tentava entender onde raios eu estava com a cabeça.
Durante esse tempo pensante lembrei-me de muitas coisas tristes, mas fui interrompida em minha escada rumo ao porão quando uma memória veio à tona. Sobre ela discorro.
Meus filhos tem direito a serem cidadãos europeus. Com o Levi resolvemos tudo presencialmente, no consulado do Rio de Janeiro. Com a Clara, já por nos conhecerem no consulado, disseram que se o pai fosse ao rio munido de toda documentação, aceitariam. Porém, somados aos documentos básicos, precisaríamos de uma declaração minha, feita em cartório, ao que disseram ser "declaração pública". Não havia modelo pré-estabelecido. Porém a dna Fulana do consulado disse todos os ítens que deveriam constar. Ela foi enfática dizendo que eu não poderia fazer a declaração em casa e registrar em cartório. Deveria ditar na presença de um escrivão. Por que? Porque isso é uma segurança a mais, uma prova de que não fui coagida. Na Romênia eles não aceitam registrar declarações feitas em casa, logo, o consulado deles também não.
Tá difícil de entender isso? Obrigada.
***
Quando registramos o Levi no consulado, presencialmente, tivemos um imprevisto que nos ocupou muito tempo e poderia ter atrapalhado o processo. O cartório em que ele fora registrado não possuía sinal público (é como um reconhecimento de firma de cartório) em nenhum cartório do RJ e esses documentos não podem ser enviados por fax ou e-mail e não tínhamos tempo hábil para esperar ua correspondência. Depois de conversar muito, um cartório entendeu a situação e recebeu o sinal por fax.
Sabendo disso, ligamos para muitos cartórios em JP a fim de descobrir qual possuía sinal público no RJ para nos poupar o trabalho todo. Em nossa cidade eles disseram que mandariam o sinal púlico em mãos com meu marido, mas eles não tem papel timbrado... que consulado aceitaria isso? Gato escaldado tem medo de água fria. Depois de muito procurar, liguei para um e a atendente me disse que eles possuiam o sinal em TODOS os cartórios do RJ. "Todos??" "Sim, dna. Temos muitos anos de experiência".
Uau! Problema resolvido. Como eu estava com o ombro doendo muito e precisava ir ao pronto-socorro, no dia seguinte decidimos resolver tudo de uma vez na capital.
***
Saímos de casa cedo, correndo como sempre, mala das crianças arrumada, todo mundo lindo e perfumado, garrafinhas de água abastecidas, sling, pasta com documentos, lanchinho, brinquedos. Filhos devidamenteamarrados em suas cadeiras respectivas, partimos.
Fomos direto para a clínica ortopédica, mas a atendente disse que seria melhor eu voltar à tarde, quando teria menos gente. Ok. Bora pro cartório.
Chegamos no cartório, tudo organizado, recepcionista sorridente. Explicamos que havíamos telefonado e ela pediu para subirmos. O fulano indiacado nos atendeu com cara meio estranha. Não gostei. Descemos, conforme orientação dele, para conversarmos e fazermos a cópia dos docs. Daqui para frente foi um tormento.
- Por que vcs não trouxeram essa documentação pronta, só para registrar?
- Na cidade de vcs não tem cartório? Para que gastar dinheiro vindo a JP para uma declaração? Poderiam resolver mais facilmente lá. Olha, vcs precisam me explicar de novo, eu não entendi como a declaração deve ser feita.
Você leu até aqui e sabe quais são as respostas. Tudo isso durou quase 40 minutos. O Levi estava inquieto, subindo e descendo as escadas. A Clara, antes no sling, estava no chão engatinhando livre para relaxar. Eu estava querendo torcer o pescoço do Sr. Fulano, mas respondia polidamene às perguntas de uma moça em atendimento e da recepcionista.
- Ai, moça. Sua filha vai cair daí desse negócio. Melhor vc tirar, né? - dizia uma.
- Geeente!! Que perigoso! Com certeza ela deve estar desconfortável (enquanto a Clara COCHILAVA), isso é muito estranho - interceptava a outra.
- Moça, sua filha está descalça, o sapatinho dela deve ter caído.
- Ela não usa sapatinho, nem chinelo, nem nada. Só calço meus filhos depois que aprendem a andar com firmeza - respondi.
- Tadinhos, com o pé nessa sujeira. Tadinha, como ela vai firmar o pé? Vai demorar a andar, né? O outro demorou?
- Sim, demorou 8 meses para ele andar com firmeza. Ela tem 7 e até os 9 deve concluir o processo e precisar do primeiro chinelinho - disse eu, com um sorriso simpático.
- Ai, moça, credo!! Ele andou com 8 meses?? Não é normal. A gente logo vê que ele tem muita energia. Deve dar muito trabalho.
- É... talvez dê trabalho. Você já teve um bonzai? - perguntei.
- Hã?
- Bonzai, aquela plantinha japonesa, aquela mini árvore.
- Ah! Acho lindo!! Não tive, não. Dizem que dá muito trabalho. O que tem isso?
- Nada. Ganhei um bonzai. Morreu logo, eu não sei cuidar, ele dá muito trabalho, não durou 3 meses. Planta dá trabalho. Criança... num sei não. As minhas tão durando mais que o bonzai.
Silêncio das duas. Ouvi o Sr. Fulano falando:
- Ok, sr. Fernando. Os documentos estão aqui comigo, vou preparar a documentação e em alguns dias ligo para vcs.
- Oi?? - interrompi - Alguns dias? Hoje, meu querido. Agora mesmo. Meu marido vai viajar semana que vem.
- Ah... até semana que vem ele estará com a declaração em mãos.
- Não. Hoje vamos sair com a declaração. Por que não hoje?
- A senhora não entende. Eu preciso criar o modelo do documento.
- Não, você precisa digitar o que eu disser, como a Dna do consulado pediu.
Fernando me olhando com cara de espanto, não tinha sacado que o fulano estava desconfiado de nossa integridade. Grudou em mim e pediu para irmos, porque estava na hora da minha consulta. Cedi, porque tinha muita dor no ombro, não queria perder o médico, as crianças estavam cansadas e eu precisava explicar ao meu marido o que estava acontecendo ali.
Fomos para o carro, falei para o Fer que o cara estava desconfiado, que provavelmente procuraria informações a nosso respeito antes de fazer a declaração e que ele não tinah esse direito.
Ele achou que eu deveria voltar ao cartório. Larguei a turma no carro e fui correndo (duas ruas), cheguei esbaforida com a corrida, avisei a recepcionista que precisava falar com o Sr. Fulano e subi os dois lances de escada. Ele ficou bege e trêmulo, mas manteve a pose.
- Pois não, dna Carolina, esqueecu alguma coisa?
- Na verdade não - ofegante - voltei para esclarecer umas dúvidas.
- Quer água?
- Não estou com sede, estou esbaforida. Obrigada. Quero saber por que cargas d'água você não pode fazer a declaração agora.
- Já expliquei, preciso criar um modelo de documento e...
- E nada. - educada, porém resoluta - E a Dna Cônsul quer que eu dite e você escreva.
- Mas ela pode não receber se não estiver nos moldes corretos.
- Molde correto é como ela quer. Ela quer com esses dados e pronto. Vamos fazer.
- Não posso.
- Por que?
- Estou ocupado.
- Você esteve ocupado conosco, enrolando por quase uma hora. Parece desconfiança.
-...
- Ok. Vou sair daqui, porque meus filhos estão cansados e tenho consulta. Quero que você saiba que eu sei que está desconfiado. Você não tem esse direito. Não pode negar um serviço. Meu marido é estrangeiro, não entendeu, mas eu não. Sou brasileira, paulistana, conheço meus direitos. Isso é preconceito, se não for xenofobia. Mas eu preciso do documento de vcs, por causa do sinal público.
- Não temos sinal público em todos os cartórios do RJ.
- Como assim? Vim para este estabelecimento por causa disso.
- Podemos enviar, temos em alguns.
- Ok, preciso saber em qual.
- Quer que eu diga assim, de cabeça? Não tenho como lembrar.
- Não, eis que converso com um ser humano, não com um pc. Você pode se informar, não?
- A senhora pode descer e perguntar ao fulano.
- Não, eu não posso. Não trabalho no cartório, você trabalha.
- A senhora é livre para levar seus documentos e fazer em outro cartório.
- Eu sou livre desde que nasci. Entrei livremente aqui, escolho deixar meus documetnos livremente. Aguardo seu telefonema.
***
Durante a consulta, meu marido encontrou um conhecido na sala de espera que indicou outro lugar.
Saímos do médico, fomos para o outro cartório. Já anoitecia. Eu estava com o braço imobilizado, a Clara chorava, o Levi estava irritado com as muitas horas no carro e lugares onde ele não podia fazer nada além de esperar. Pedi para meu marido descer e verificar.
Dali poucos minutos ele atravessou a avenida correndo de volta com um documento impresso para eu verificar se havia erros de português ou se era necessário acrescentar algo. Tinha um erro ínfimo. Mais uns minutos e ele volta ao carro com um fulano de terno e gravata. Crianças já mais calmas, abri a porta do carro, baixei o volume do rádio.
- Senhora Carolina, perdoe pelo erro. Aqui está o documento, só falta sua assinatura.
- Eu te perdoar? Rapaz! Você nem me esperou descer do carro e fez tudo. Obrigada!
Assinei, pegamos a declaração e a documentação do sinal público e viemos para casa.
No dia seguinte liguei para o outro cartório e disse que estava tudo resolvido.
***
Agora eu imagino o Sr. Fulano contando.
- Hei! Chegaram dois estranhos aqui hoje. Um casal com duas crianças. Ela era baixinha, gordinha, morena e o cabelo todo sarará prá cima, blusa rosa choque, carregava uma bebezinha amarrada num pano. Ele, estrangeiro, branquelo, fala meio enrolada, coisa de gringo. Estava de mãos dadas com um menino loirinho, que usava uma roupa estranha, com escamas nas costas. A bebezinha nem tinha sapatos. Eles todos usavam havaianas. Queriam um documento para registrar a filha no RJ. História toda doida, nem fizeram na cidade onde disseram morar. Prá que fazer isso aqui? Acho que é tráfico de crianças. Não fiz, não. Credo, nem me meto nessas coisas.
- Gente doida tem em todo lugar.
É, gente doida tem em todo lugar.
Por causa disso passei muito tempo lerdando no quarto, pensando e pensando enquanto as crianças corriam sem lenço e sem documento no quintal da igreja e meu marido tentava entender onde raios eu estava com a cabeça.
Durante esse tempo pensante lembrei-me de muitas coisas tristes, mas fui interrompida em minha escada rumo ao porão quando uma memória veio à tona. Sobre ela discorro.
Meus filhos tem direito a serem cidadãos europeus. Com o Levi resolvemos tudo presencialmente, no consulado do Rio de Janeiro. Com a Clara, já por nos conhecerem no consulado, disseram que se o pai fosse ao rio munido de toda documentação, aceitariam. Porém, somados aos documentos básicos, precisaríamos de uma declaração minha, feita em cartório, ao que disseram ser "declaração pública". Não havia modelo pré-estabelecido. Porém a dna Fulana do consulado disse todos os ítens que deveriam constar. Ela foi enfática dizendo que eu não poderia fazer a declaração em casa e registrar em cartório. Deveria ditar na presença de um escrivão. Por que? Porque isso é uma segurança a mais, uma prova de que não fui coagida. Na Romênia eles não aceitam registrar declarações feitas em casa, logo, o consulado deles também não.
Tá difícil de entender isso? Obrigada.
***
Quando registramos o Levi no consulado, presencialmente, tivemos um imprevisto que nos ocupou muito tempo e poderia ter atrapalhado o processo. O cartório em que ele fora registrado não possuía sinal público (é como um reconhecimento de firma de cartório) em nenhum cartório do RJ e esses documentos não podem ser enviados por fax ou e-mail e não tínhamos tempo hábil para esperar ua correspondência. Depois de conversar muito, um cartório entendeu a situação e recebeu o sinal por fax.
Sabendo disso, ligamos para muitos cartórios em JP a fim de descobrir qual possuía sinal público no RJ para nos poupar o trabalho todo. Em nossa cidade eles disseram que mandariam o sinal púlico em mãos com meu marido, mas eles não tem papel timbrado... que consulado aceitaria isso? Gato escaldado tem medo de água fria. Depois de muito procurar, liguei para um e a atendente me disse que eles possuiam o sinal em TODOS os cartórios do RJ. "Todos??" "Sim, dna. Temos muitos anos de experiência".
Uau! Problema resolvido. Como eu estava com o ombro doendo muito e precisava ir ao pronto-socorro, no dia seguinte decidimos resolver tudo de uma vez na capital.
***
Saímos de casa cedo, correndo como sempre, mala das crianças arrumada, todo mundo lindo e perfumado, garrafinhas de água abastecidas, sling, pasta com documentos, lanchinho, brinquedos. Filhos devidamente
Fomos direto para a clínica ortopédica, mas a atendente disse que seria melhor eu voltar à tarde, quando teria menos gente. Ok. Bora pro cartório.
Chegamos no cartório, tudo organizado, recepcionista sorridente. Explicamos que havíamos telefonado e ela pediu para subirmos. O fulano indiacado nos atendeu com cara meio estranha. Não gostei. Descemos, conforme orientação dele, para conversarmos e fazermos a cópia dos docs. Daqui para frente foi um tormento.
- Por que vcs não trouxeram essa documentação pronta, só para registrar?
- Na cidade de vcs não tem cartório? Para que gastar dinheiro vindo a JP para uma declaração? Poderiam resolver mais facilmente lá. Olha, vcs precisam me explicar de novo, eu não entendi como a declaração deve ser feita.
Você leu até aqui e sabe quais são as respostas. Tudo isso durou quase 40 minutos. O Levi estava inquieto, subindo e descendo as escadas. A Clara, antes no sling, estava no chão engatinhando livre para relaxar. Eu estava querendo torcer o pescoço do Sr. Fulano, mas respondia polidamene às perguntas de uma moça em atendimento e da recepcionista.
- Ai, moça. Sua filha vai cair daí desse negócio. Melhor vc tirar, né? - dizia uma.
- Geeente!! Que perigoso! Com certeza ela deve estar desconfortável (enquanto a Clara COCHILAVA), isso é muito estranho - interceptava a outra.
- Moça, sua filha está descalça, o sapatinho dela deve ter caído.
- Ela não usa sapatinho, nem chinelo, nem nada. Só calço meus filhos depois que aprendem a andar com firmeza - respondi.
- Tadinhos, com o pé nessa sujeira. Tadinha, como ela vai firmar o pé? Vai demorar a andar, né? O outro demorou?
- Sim, demorou 8 meses para ele andar com firmeza. Ela tem 7 e até os 9 deve concluir o processo e precisar do primeiro chinelinho - disse eu, com um sorriso simpático.
- Ai, moça, credo!! Ele andou com 8 meses?? Não é normal. A gente logo vê que ele tem muita energia. Deve dar muito trabalho.
- É... talvez dê trabalho. Você já teve um bonzai? - perguntei.
- Hã?
- Bonzai, aquela plantinha japonesa, aquela mini árvore.
- Ah! Acho lindo!! Não tive, não. Dizem que dá muito trabalho. O que tem isso?
- Nada. Ganhei um bonzai. Morreu logo, eu não sei cuidar, ele dá muito trabalho, não durou 3 meses. Planta dá trabalho. Criança... num sei não. As minhas tão durando mais que o bonzai.
Silêncio das duas. Ouvi o Sr. Fulano falando:
- Ok, sr. Fernando. Os documentos estão aqui comigo, vou preparar a documentação e em alguns dias ligo para vcs.
- Oi?? - interrompi - Alguns dias? Hoje, meu querido. Agora mesmo. Meu marido vai viajar semana que vem.
- Ah... até semana que vem ele estará com a declaração em mãos.
- Não. Hoje vamos sair com a declaração. Por que não hoje?
- A senhora não entende. Eu preciso criar o modelo do documento.
- Não, você precisa digitar o que eu disser, como a Dna do consulado pediu.
Fernando me olhando com cara de espanto, não tinha sacado que o fulano estava desconfiado de nossa integridade. Grudou em mim e pediu para irmos, porque estava na hora da minha consulta. Cedi, porque tinha muita dor no ombro, não queria perder o médico, as crianças estavam cansadas e eu precisava explicar ao meu marido o que estava acontecendo ali.
Fomos para o carro, falei para o Fer que o cara estava desconfiado, que provavelmente procuraria informações a nosso respeito antes de fazer a declaração e que ele não tinah esse direito.
Ele achou que eu deveria voltar ao cartório. Larguei a turma no carro e fui correndo (duas ruas), cheguei esbaforida com a corrida, avisei a recepcionista que precisava falar com o Sr. Fulano e subi os dois lances de escada. Ele ficou bege e trêmulo, mas manteve a pose.
- Pois não, dna Carolina, esqueecu alguma coisa?
- Na verdade não - ofegante - voltei para esclarecer umas dúvidas.
- Quer água?
- Não estou com sede, estou esbaforida. Obrigada. Quero saber por que cargas d'água você não pode fazer a declaração agora.
- Já expliquei, preciso criar um modelo de documento e...
- E nada. - educada, porém resoluta - E a Dna Cônsul quer que eu dite e você escreva.
- Mas ela pode não receber se não estiver nos moldes corretos.
- Molde correto é como ela quer. Ela quer com esses dados e pronto. Vamos fazer.
- Não posso.
- Por que?
- Estou ocupado.
- Você esteve ocupado conosco, enrolando por quase uma hora. Parece desconfiança.
-...
- Ok. Vou sair daqui, porque meus filhos estão cansados e tenho consulta. Quero que você saiba que eu sei que está desconfiado. Você não tem esse direito. Não pode negar um serviço. Meu marido é estrangeiro, não entendeu, mas eu não. Sou brasileira, paulistana, conheço meus direitos. Isso é preconceito, se não for xenofobia. Mas eu preciso do documento de vcs, por causa do sinal público.
- Não temos sinal público em todos os cartórios do RJ.
- Como assim? Vim para este estabelecimento por causa disso.
- Podemos enviar, temos em alguns.
- Ok, preciso saber em qual.
- Quer que eu diga assim, de cabeça? Não tenho como lembrar.
- Não, eis que converso com um ser humano, não com um pc. Você pode se informar, não?
- A senhora pode descer e perguntar ao fulano.
- Não, eu não posso. Não trabalho no cartório, você trabalha.
- A senhora é livre para levar seus documentos e fazer em outro cartório.
- Eu sou livre desde que nasci. Entrei livremente aqui, escolho deixar meus documetnos livremente. Aguardo seu telefonema.
***
Durante a consulta, meu marido encontrou um conhecido na sala de espera que indicou outro lugar.
Saímos do médico, fomos para o outro cartório. Já anoitecia. Eu estava com o braço imobilizado, a Clara chorava, o Levi estava irritado com as muitas horas no carro e lugares onde ele não podia fazer nada além de esperar. Pedi para meu marido descer e verificar.
Dali poucos minutos ele atravessou a avenida correndo de volta com um documento impresso para eu verificar se havia erros de português ou se era necessário acrescentar algo. Tinha um erro ínfimo. Mais uns minutos e ele volta ao carro com um fulano de terno e gravata. Crianças já mais calmas, abri a porta do carro, baixei o volume do rádio.
- Senhora Carolina, perdoe pelo erro. Aqui está o documento, só falta sua assinatura.
- Eu te perdoar? Rapaz! Você nem me esperou descer do carro e fez tudo. Obrigada!
Assinei, pegamos a declaração e a documentação do sinal público e viemos para casa.
No dia seguinte liguei para o outro cartório e disse que estava tudo resolvido.
***
Agora eu imagino o Sr. Fulano contando.
- Hei! Chegaram dois estranhos aqui hoje. Um casal com duas crianças. Ela era baixinha, gordinha, morena e o cabelo todo sarará prá cima, blusa rosa choque, carregava uma bebezinha amarrada num pano. Ele, estrangeiro, branquelo, fala meio enrolada, coisa de gringo. Estava de mãos dadas com um menino loirinho, que usava uma roupa estranha, com escamas nas costas. A bebezinha nem tinha sapatos. Eles todos usavam havaianas. Queriam um documento para registrar a filha no RJ. História toda doida, nem fizeram na cidade onde disseram morar. Prá que fazer isso aqui? Acho que é tráfico de crianças. Não fiz, não. Credo, nem me meto nessas coisas.
- Gente doida tem em todo lugar.
É, gente doida tem em todo lugar.
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